24 de maio de 2012

MARIA MADALENA - Por Khalil Gibran


Era o mês de junho quando O vi pela primeira vez. Ele caminhava no campo de trigo quando passei com minhas criadas; Ele estava só.
O ritmo de Seus passos era diferente do caminhar dos outros homens e os movimentos do Seu corpo em nada se assemelhavam aos que eu vira antes.
Os homens não calcam a terra daquela maneira. E mesmo agora não sei se Ele caminhava depressa ou lentamente.
Minhas criadas apontaram o dedo para Ele, e cochicharam entre si. Eu sustei meus passos por um momento e levantei minha mão para saudá-Lo, mas Ele não olhou para mim. E eu O odiei. Senti-me repelida para dentro de mim mesma, e tive tanto frio como se estivesse em um monte de neve. Eu tremia.Naquela noite eu O vi em meus sonhos; mais tarde, elas me disseram que eu gritava durante o sono, e me agitava na cama.Era o mês de agosto quando O vi novamente, pela minha janela.Estava sentado à sombra do cipreste, no meu jardim, e estava tão imóvel como se tivesse sido entalhado na pedra, como as estátuas de Antioquia e de outras cidades do norte.Minha escrava, a egípcia, veio até mim e disse: “Aquele homem está aqui de novo. Está sentado ali, em vosso jardim”.Olhei para Ele e minha alma estremeceu dentro de mim, pois Ele era belo.Seu corpo era singular e cada parte parecia amar as outras partes.Então eu me vesti com minhas roupas de Damasco, saí de casa e fui ter com Ele.Terá sido minha solidão ou Sua fragrância que me levaram até Ele? Foi uma fome em meus olhos que desejavam a beleza, ou foi a Sua beleza que procurou a luz de meus olhos?Ainda hoje não sei.Caminhei para Ele com minhas roupas perfumadas e com minha sandália dourada, a mesma sandália que o capitão romano me dera, e quando O alcancei, eu disse: “Bom dia para Ti”. “Bom dia, Miriam”, disse Ele.E seus olhos de noite me viram como nenhum homem jamais me vira; e de repente me senti como se estivesse nua, e senti vergonha.Todavia, Ele só me dissera “Bom dia”.E então eu lhe disse: “Não queres entrar em minha casa?” - e Ele disse: “Não estou já em tua casa?”.Eu não sabia então o significado daquelas palavras, mas agora eu sei.Eu disse: “Não queres dividir o vinho e o pão comigo?”.E Ele: “Sim Miriam, mas não agora”.Não agora, não agora, Ele disse. E a voz do mar estava nestas duas palavras, e a voz do vento e das árvores. E quando ele as disse, a vida falou à morte.Pois creia, meu amigo, eu estava morta. Eu era uma mulher que se tinha divorciado de sua alma. Vivia eu separada deste ‘eu’ que agora vês. Eu pertencia a todos os homens, e a nenhum. Eles me chamavam de prostituta, uma mulher possuída por sete demônios.Eu era amaldiçoada, e era invejada.Mas quando Seus olhos de aurora fitaram os meus olhos, todas as estrelas da minha noite desvaneceram, e eu me tornei Miriam, só Miriam, uma mulher perdida para a terra que conhecera, que encontrava a si mesma em outros lugares.E novamente eu Lhe disse: “Venha até minha casa, dividir o vinho e o pão comigo”.Ele disse: “Por que me convidas para ser teu hóspede?” - e eu disse: “Eu te convido para que entres em minha casa”. E tudo em mim que era terra, e tudo em mim que era céu clamava por Ele.Então Ele olhou para mim, o meio-dia de Seus olhos estava sobre mim, e disse: “Tens muitos amantes e, todavia, só Eu te amo”.Os outros homens amam a si mesmos em tua intimidade. Eu amo-te por ti mesma.Outros homens vêem em ti a beleza que desvanecerá mais cedo que seus próprios anos. Mas Eu vejo em ti a beleza que não desvanecerá, e que no outono de teus dias não receará olhar-se no espelho, e não será ofendida.“Só Eu amo o que é invisível em ti”.Então Ele disse em voz baixa: “Vá agora. Se este cipreste é teu, e não quiseres que me sente à sua sombra, Eu irei embora”.E eu gritei para Ele, e disse: “Mestre, vem à minha casa. Tenho incenso para queimar para ti, e uma bacia de prata para teus pés. Tu és um estranho e, todavia não és um estranho. Rogo-te, vem à minha casa”.Então Ele se levantou e olhou para mim como as estações do ano devem olhar para os campos, sorriu, e novamente disse: “Todos os homens te amam por eles mesmos. Eu te amo por ti mesma”.Em seguida, saiu caminhando.Mas nenhum outro homem jamais caminhou como Ele caminhava. Seria uma brisa surgida no meu jardim, soprando para o leste? Ou seria uma tempestade que veio a sacudir tudo, até as fundações?Eu não sabia, mas nesse dia em que o ocaso de seus olhos matou o dragão que havia em mim, eu me tornei uma mulher, me tornei Miriam, Miriam de Mijdel.(Texto Extraído do excelente livro “Jesus – O Filho do Homem” - de Khalil Gibran – Editora Martin Claret.)- Nota de Wagner Borges:Khalil Gibran (1883-1931) - ensaísta filosófico, romancista, poeta e pintor americano de origem libanesa, Gibran - cujo nome completo em árabe era Jubran Khalil Jubran - produziu uma obra literária marcada pelo misticismo oriental, que alcançou popularidade em todo o mundo. Suas obras mais conhecidas são: "O Profeta" e "Jesus - O Filho do Homem".

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