Publicado em 19 de fevereiro de 2013 por Nando Pereira
Um dos principais temas da vida e dos livros da escritora americana Debbie
Ford (1955-2013) foi a popularização do tema da “sombra“,
conceito criado pelo psicólogo suíço Carl Gustav Jung, e que
ela explorou bastante no livro “O Lado Sombrio dos Buscadores da Luz”
(The Dark Side of The Light Chasers, 1998). É uma obra naturalmente
introdutória mas bastante interessante e riquíssima em exemplos de como nossa
sombra aparece e se projeta no mundo (e nos outros), no relato das experiências
pessoais da autora e na citação de outros autores que exploraram o tema. Em
virtude do seu falecimento ontem, de câncer, aos 57 anos (veja nota da
família, original em inglês, escrita pela irmã Arielle Ford),
selecionei 7 trechos dessa obra que li há muito tempo, mas que
lembro ter elucidado com simplicidade e facilidade esse tema absolutamente
essencial para o crescimento de qualquer pessoa, sem exceções.
Seguem os trechos de “O Lado Sombrio dos Buscadores da Luz”
(Cultrix):
[1] “Meu amigo Bill Spinoza, um instrutor de grupo de
estudos superiores da Landmark Education, diz: “Aquilo com que você não
consegue coexistir não o deixará existir ”. Você precisa
aprender a deixar que tudo o que você é exista. Se quiser ser livre, antes de
tudo tem de “ser”. Isso significa que precisamos parar de nos julgar. Devemos
nos perdoar por sermos humanos, imperfeitos. Porque, ao nos julgar, estamos
automaticamente julgando os outros. E o que fazemos com os outros fazemos
com nós mesmos. O mundo é um espelho de nós mesmos. Quando conseguimos nos
aceitar e nos perdoar, fazemos a mesma coisa com os outros. Essa foi, para mim,
uma dura lição a ser aprendida.
[2] A maioria das pessoas tem medo de encarar e assumir o
seu lado sombrio, mas é lá na escuridão que você encontrará a felicidade e a
sensação de estar completo com que vem sonhando há tanto tempo. Quando você usa
o seu tempo para se descobrir por inteiro, abre as portas do verdadeiro
esclarecimento. Uma das armadilhas da Era da Informação é a síndrome do “já
conheço isso”. Com freqüência, o conhecimento nos impede de viver a experiência
em nosso coração. O trabalho com a sombra não é intelectual; é uma viagem da
mente ao coração. Diversas pessoas que trilham o caminho do
aperfeiçoamento individual acreditam que completaram o processo, mas são
incapazes de enxergar a verdade sobre si mesmas. Muitos de nós almejam ver a
luz e viver na beleza do seu eu mais elevado, mas tentamos fazer isso sem
integrar todo o nosso ser. Não podemos ter a experiência completa da luz
sem conhecer a escuridão. O lado sombrio é o porteiro que abre as portas para
verdadeira liberdade. Todos devem estar atentos para explorar e expor
continuamente esse aspecto do ser. Quer você goste ou não, sendo humano, você
tem uma sombra. Se não consegue vê-la, pergunte a alguém da família ou às
pessoas com quem trabalha. Elas vão indicá-la para você. Pensamos que nossas
máscaras mantêm nosso eu interior escondido, mas, todas as vezes que nos
recusamos a reconhecer aspectos nossos e quando menos esperamos, ele dá um
jeito de erguer a cabeça e fazer-se conhecido.
[3] A projeção é um fenômeno fascinante que a grande
maioria das escolas deixa de ensinar aos estudantes. É uma transferência
involuntária do nosso próprio comportamento para outras pessoas, dando-nos a impressão
de que determinadas características estão presentes nos outros. Quando sofremos
de ansiedade no que diz respeito às nossas emoções ou partes inaceitáveis da
nossa personalidade, atribuímos esses aspectos – como um mecanismo de defesa –
a objetos exteriores a nós ou a outras pessoas. Quando somos intolerantes com
as outras pessoas, por exemplo, estamos inclinados a atribuir nosso sentimento
de inferioridade a elas. Evidentemente, há sempre um “gancho” que favorece
nossa projeção. Alguma qualidade imperfeita em outra pessoa ativa uma
parte de nós mesmos que quer nossa atenção. Dessa forma, tudo o que
não assumimos em relação a nós mesmos projetamos em outras pessoas.
[4]
Instintivamente, nós recuamos diante de nossas projeções negativas. É mais fácil
examinar aquilo que nos atrai do que aquilo que nos causa aversão. Se fico
aborrecido com sua arrogância, é porque não estou assumindo a minha
própria. Isso também é arrogância, que agora estou demonstrando sem
perceber, ou a arrogância que renego, a qual serei capaz de demonstrar no
futuro. Se fico aborrecido com a arrogância, preciso examinar bem de perto
todos os recantos da minha vida e me perguntar o seguinte: no passado, quando
fui arrogante? Estou sendo arrogante neste momento? Pode acontecer que eu me
comporte com arrogância no futuro? Com certeza eu estaria sendo arrogante se
respondesse não a essas perguntassem me examinar com cuidado ou sem perguntar a
outras pessoas se alguma vez me viram agindo com arrogância. O ato de julgar
alguém é arrogante; portanto, evidentemente, todos temos a capacidade de ser
arrogantes. Se eu incorporar minha própria arrogância, não me aborrecerei com a
dos outros. Vou percebê-la, mas ela não me afetará. A tomada da minha
arrogância estará envolvida por uma chapa de proteção. Só quando você
mente para si mesmo
ou odeia alguma característica sua é que recebe uma carga emocional originada do
comportamento de outra pessoa.
[5] Nossa carapaça exterior é que enfrenta o mundo,
escondendo as características que constituem sua sombra. Nossas sombras são tão bem disfarçadas que, muitas vezes,
mostramos uma face para o mundo quando, de fato, é o extremo oposto que
realmente está dentro de nós. Algumas pessoas usam uma camada de agressividade,
que esconde sua sensibilidade, ou uma máscara de humor, para cobrir sua
tristeza. As pessoas que “sabem tudo” normalmente estão disfarçando o fato de
se sentirem burras, enquanto que as que agem com arrogância precisam ainda
revelar sua insegurança. A pessoa gentil, esconde o canalha dentro de si, e a
sorridente oculta a irritada. Precisamos olhar além de nossas máscaras sociais
para descobrir nosso eu autêntico. Somos mestres do disfarce, enganamos os
outros, mas nos enganando também. São as mentiras que contamos a nós mesmos que
temos que decifrar. Quando nunca nos sentimos completamente satisfeitos, contentes, saudáveis ou
realizando nossos sonhos, é porque essas mentiras estão no nosso caminho. É
assim que reconhecemos nossa sombra, quando a trabalhamos.
[6] A maioria das pessoas almeja encontrar a paz de
espírito. Essa é a busca de uma vida, uma tarefa que requer nada menos do
que aceitar a totalidade do seu ser. Descobrir benefícios até nas
qualidades que mais odiamos é um processo criativo que necessita apenas do
desejo profundo de ouvir e aprender, da vontade de liberar crenças e juízos
anômalos e da prontidão para se sentir melhor. Seu verdadeiro eu não julga.
Somente o ego guiado pelo medo
cria juízos para nos proteger – proteção essa que, ironicamente, nos impede de chegar à
realização pessoas, Precisamos estar preparados para amar tudo aquilo de que
temos medo. “Meus ressentimentos escondem a luz do mundo”, como está escrito
em Um Curso em Milagres.
[7] Um velho mestre diz: “O mundo é um professor para
o sábio e um inimigo para o tolo”. Nenhum acontecimento é doloroso em si e por
si mesmo; tudo é uma questão de perspectiva. É importante compreender que
tudo o que acontece no mundo é exatamente como deveria ser. Não há
erros nem acidentes. O mundo é um céu paradisíaco e um abismo sem fundo. Quando
compreendemos que não podemos ter um sem ter o outro, fica mais fácil aceitar o
mundo como ele é. Olho para o meu passado cheio de mentiras e de ilusão, dor e
mágoa, drogas e sexo, mas sei que, sem todas essas experiências e a escuridão
que me acompanhou durantetanto tampo, eu não teria sido capaz de ensinar como
faço hoje. Todos os incidentes do meu passado, as noites insones, as lágrimas
derramadas me deixam um pouco mais perto de cumprir a jornada da minha alma.
Ninguém diz aquilo que digo da mesma maneira que eu. Ninguém faz as coisas que
faço do mesmo jeito que eu. Eu sou eu e você é você. Cada um de nós é único, e
todos nós temos uma jornada própria especial.
Fonte: dharmalog